LNBio substitui testes em animais por chips com tecidos e células de órgãos humanos

06/09/2016 09:45

O paradigma utilizado pelas empresas farmacêuticas para descobrir e desenvolver novos medicamentos está sendo quebrado. Estudos clínicos levam anos para serem concluídos e testar um único composto pode custar mais de US $ 2 milhões. Enquanto isso, inúmeras vidas animais são perdidas e o processo muitas vezes não consegue prever as respostas humanas porque modelos animais tradicionais não imitam com precisão a fisiologia humana. Por estas razões, a indústria farmacêutica necessita de meios alternativos para rastrear candidatos a fármacos em laboratório.


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Desenvolvida por startup alemã, a tecnologia está sendo transferida para o Laboratório Nacional de Biociências, vinculado ao MCTIC, que investiu R$ 1 milhão para que o Brasil adotasse o dispositivo em testes de laboratórios

O Laboratório Nacional de Biociências (LNBio), vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, está absorvendo uma tecnologia que utiliza chips com culturas de células humanas para testes de laboratório. Esses dispositivos são interligados em circuitos que simulam as condições do organismo. Desenvolvida por uma startup alemã, a tecnologia está alinhada com o esforço do Brasil em reduzir e substituir a utilização de animais em testes de medicamentos e cosméticos.

Denominado “Human on a chip” (ser humano em um chip, em inglês), o projeto é da empresa TissUse, que está transferindo a tecnologia para o LNBio. A parceria começou em 2015, com o treinamento de pesquisadores brasileiros em Berlim. Por meio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), o MCTIC investiu R$ 1 milhão para que o LNBio adotasse a tecnologia. O Grupo Boticário repassou mais R$ 500 mil.

Segundo o gerente de desenvolvimento de fármacos do LNBio, Eduardo Pagani, cada chip tem o tamanho aproximado ao de um smartphone com capacidade para abrigar células de órgãos diferentes em compartimentos separados. Uma solução semelhante ao sangue humano circula por canais para simular o organismo humano. “A ideia é pegar pedacinhos dos órgãos e mantê-los vivos nessa preparação e integrados como ocorre no nosso organismo. Isso já é uma realidade”, explicou Pagani, que coordena o projeto no Brasil. “No futuro, a ideia é reproduzir um organismo humano num chip. Imaginamos poder fazer uma arquitetura celular semelhante ao do organismo vivo.”

O projeto foi apresentado em Brasília pela pesquisadora alemã Katharina Schimek, que veio ao País para calibrar equipamentos e concluir a transferência de tecnologia ao LNBio. “O que fazemos é basicamente colocar as células em contato por meio de hidrogéis e esferoides. Com isso, é possível reduzir os testes em animais usando chips de dois ou quatro órgãos”, disse.

Animais protegidos

No Brasil, 17 tipos de testes com animais não poderão mais ser praticados até 2019. Procedimentos que incluem a aplicação de substâncias em órgãos sensíveis, como os olhos, de coelhos, bois, cães e outras espécies, já estão ficando no passado, sendo substituídos por outras práticas. Há duas semanas, o Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (Concea) publicou no Diário Oficial da União uma resolução normativa que reconhece o uso de métodos alternativos validados, como testes in vitro de curta duração para danos oculares e de triagem para toxicidade reprodutiva, que tenham por finalidade a redução, substituição ou o refinamento do uso de animais em atividades de pesquisa.

“Hoje isso é feito in vitro, e esses testes são limitados porque não são sistêmicos. Já os testes em animais são sistêmicos, mas animais não são humanos, as proteínas são diferentes, e queremos substituir o uso de animais. Há uma demanda ética pela substituição de animais”, afirmou Pagani.

De acordo com ele, alguns testes em animais ainda são exigidos, mas uma determinação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), publicada em 2015, obriga os laboratórios a encerrarem os testes em animais nos próximos três anos. “Os testes em animais ainda são exigidos, mas a nossa intenção é substituí-los. Desenvolver fármacos custa caro e é demorado. Um em cada 20 testes chegam ao mercado. Essa tecnologia do ‘Human on a chip’ pode ser utilizada para triagem de novas drogas. Ela pode me dizer o que é e o que não é tóxico. Com isso, eu reduzo o uso injustificado de animais”, previu.

Segundo o pesquisador, a parceria com a indústria de fármacos e cosméticos é muito bem-vinda. Além dos recursos, o Grupo Boticário também fez um aporte de ciência e tecnologia no projeto. “Quaisquer outros parceiros, cosméticos ou farmacêuticos, serão muito bem-vindos.”