FeSBE, SBPC e ABC enviam carta a deputados

02/02/2016 12:17

FeSBE Informa

Excelentíssimos Senhores
Deputados Membros da CPI Maus-Tratos de Animais Brasília, DF.

Senhores Deputados,

Reportamo-nos mui respeitosamente à Vossa Excelência, pois ações que estão sendo tomadas pelo Congresso Nacional podem desconfigurar e desfazer avanços importantes que a ciência nacional alcançou nos últimos anos.

Em 2008, depois de 13 anos de discussões, o Congresso aprovou a Lei No 11.794 que regulamenta o uso de animais para propósitos científicos e didáticos em todo território nacional, em total consonância com as normas internacionais vigentes. A Lei, conhecida como Lei Arouca, proporcionou as bases para as mudanças do uso ético de animais em instituições de pesquisa por meio da criação do Conselho Nacional de Controle da Experimentação Animal (CONCEA) e as Comissões de Ética no Uso de Animais (CEUAs). O CONCEA também é responsável por formular as normas brasileiras para a utilização científica dos animais e credenciar todas as instituições que trabalham nessa área.

Em 2015 foi criada no Congresso Nacional a CPI de maus tratos aos animais. Uma das propostas em seu relatório final propõe mudanças na Lei 11.794 e põe em risco os avanços que o Congresso Nacional trouxe depois de vários anos de discussão com setores da Sociedade, inclusive a Científica. Mudanças desse marco regulatório que conseguiu trazer progressos importantes no uso ético de animais será um retrocesso, pois colocarão em risco todo o trabalho realizado sob a condução do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação desde a promulgação da Lei.

 

No relatório da CPI de maus tratos aos animais consta uma proposta para alterar a Lei No 11.794/2008. A justificativa apresentada para essa alteração inclui: “…compõe o CONCEA pessoas envolvidas com as demandas a ele submetidas como aprovação e credenciamento…”. Esta justificativa ainda inclui que “o CONCEA é também responsável pelos julgamentos de processos administrativos e interpostos contra decisões das Comissões de Ética no Uso de Animais (CEUAs) além de atender denúncias”.

 

De acordo com a Lei No 11.794 vigente, O CONCEA é composto por um membro titular e um suplente que representam as seguintes Instituições (5 representantes dos Ministérios, 1 das Universidades, 5 das Sociedades científicas, 1 da Indústria e 2 das Associações protetoras dos animais):

 

  1. Ministério da Ciência e Tecnologia e Inovação (MCTI)
  2. Ministério da Educação (MEC)
  3. Ministério do Meio Ambiente (MMA)
  4. Ministério da Saúde (MS)
  5. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA)
  6. Conselho de Reitores das Universidades do Brasil (CRUB)
  7. Academia Brasileira de Ciências (ABC)
  8. Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC)
  9. Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)
  10. Federação das Sociedades de Biologia Experimental (FeSBE)

    11. Sociedade Brasileira de Ciência em Animais de Laboratório (SBCAL, antigo COBEA)

    12. Federação Nacional da Indústria Farmacêutica

    13. Sociedades Protetoras dos Animais (dois titulares e dois suplentes)

 

Cada instituição tem liberdade para indicar seus representantes no CONCEA. Dentre essas instituições, apenas 5 representam as comunidades científicas nacionais (ABC, SBPC, CNPq, FeSBE, SBCAL), tendo sido escolhidas para compor o Conselho Nacional exatamente por terem associação com a atividade científica, inclusive nas áreas biológicas e da saúde, em que a pesquisa envolvendo animais é fundamental.

 

Ao apreciar as funções do CONCEA estabelecidas no Capítulo III, Art. 5o da Lei No11.794, é possível perceber que este Conselho necessita de um corpo técnico, pois, entre outras, tem a função de:

 

“I- formular e zelar pelo cumprimento das normas relativas à utilização humanitária de animais com finalidade de ensino e pesquisa científica;
III – monitorar e avaliar a introdução de técnicas alternativas que substituam a utilização de animais em ensino e pesquisa;

IV – estabelecer e rever, periodicamente, as normas para uso e cuidados com animais para ensino e pesquisa, em consonância com as convenções internacionais das quais o Brasil seja signatário; V – estabelecer e rever, periodicamente, normas técnicas para instalação e funcionamento de centros de criação, de biotérios e de laboratórios de experimentação animal, bem como sobre as condições de trabalho em tais instalações;

X – assessorar o Poder Executivo a respeito das atividades de ensino e pesquisa tratadas nesta Lei.”


Portanto, é natural e indicado que uma parte da representação do CONCEA tenha conhecimento da atividade científica com o uso de animais, mesmo que essa representação seja minoritária no Conselho, com ocorre atualmente.


É fundamental perceber, também, que 2 membros titulares do CONCEA e seus respectivos suplentes são indicados por Sociedades Protetoras dos Animais.


Em relação à responsabilidade de “apreciar e decidir recursos interpostos contra decisões das CEUAs”, os membros do CONCEA assinam um termo de isenção de conflito de interesses e, sempre que
houver alguma associação com o caso em julgamento, esse conselheiro se ausentará da discussão.


Essa situação não é diferente de outras instituições, como a própria Câmara dos Deputados, na qual sua Comissão de Ética é formada somente por parlamentares que têm a responsabilidade de julgar seus pares. O mesmo ocorre nas Comissões de Ética do Senado Federal, da Ordem de Advogados do Brasil ou no Conselho Federal de Medicina, entre outras. Em todas essas comissões, seus casos são julgados somente por advogados, ou por médicos, no último dos exemplos citados.


O CONCEA não segue exatamente esse exemplo, pois além dos 2 membros indicados pelas Sociedades de Proteção Animal, vários outros conselheiros não estão associados à pesquisa científica com o uso de animais.


É importante esclarecer que a ciência, e em especial a que envolve o uso de animais, é incompatível com qualquer tipo de maus tratos. Para que os resultados das pesquisas sejam confiáveis e tenham reprodutibilidade, necessitam de animais saudáveis e que tenham seu bem estar assegurado. Todos os conhecimentos e benefícios alcançados por meio do uso de animais, como medicamentos, vacinas, imunobiológicos, terapia com células tronco, próteses cardíacas e ortopédicas, entre diversas 
outras tecnologias utilizadas diariamente, não seriam desenvolvidas sem o uso ético e supervisionado de animais.


O CONCEA assumiu um desafio complexo, pois até 2009 a pesquisa científica com uso de animais no Brasil não era regulamentada. Houve progresso significativo e hoje temos publicadas diversas normas que regulamentam esta atividade em todo território nacional, graças ao intenso trabalho desse Conselho. Todas as instituições que utilizam animais estão cadastradas no CONCEA e possuem Comissão de Ética no Uso de Animais localmente, como determina a Lei. Ainda há muito trabalho a ser realizado e o Conselho Nacional necessita de estabilidade para essa missão.


O PL proposto pela CPI modificará todo o funcionamento do CONCEA e criará uma nova Câmara Recursal. Essa nova comissão engessará e desestabilizará o funcionamento do CONCEA e o processo de regulamentação do uso científico de animais em todo território nacional, com sérios riscos de retrocesso. O Brasil, a ciência nacional e também os animais utilizados em pesquisa serão prejudicados com as alterações propostas no funcionamento do CONCEA.


Dessa forma, ao parabenizamos os Senhores Deputados pelo excelente trabalho realizado por esta CPI no que se refere aos assuntos não pertinentes à ciência, nos colocamos veementemente contra as mudanças sugeridas na Lei No 11.794/2008 e sugerimos que o PL que altera as competências do CONCEA seja retirado do relatório desta CPI, baseado nos argumentos aqui apresentados. O CONCEA não é, não foi e nunca será conivente com qualquer forma de maus tratos aos animais.


Certos da compreensão sobre a importância do assunto hora apresentado pela Comunidade Científica, nos despedimos, cordialmente,

 

Dalton Valentim Vassallo, Presidente Federação das Sociedades de Biologia Experimental (FeSBE)

Helena B. Nader, Presidente Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC)

Jacob Palis, Presidente Academia Brasileira de Ciências (ABC)